segunda-feira, março 28

Laboratório de escrita criativa - nível avançado - bloco 5

Exercício - Bloco 5

Escreva um texto de cerca de vinte linhas que corporize o esquema ficcional sintetizado por Jorge de Sena na Adenda temática A (e que diz respeito ao romance Oriente-Expresso de Graham Greene). Pode, no entanto, substituir o ambiente exterior ao comboio – que prefigura a iminência da Segunda Grande Guerra Mundial – por um outro igualmente revelador de uma imensa e densa clivagem.

Exercício:

O comboio entrou lentamente na estação caótica. Pessoas acotovelavam-se correndo de um lado para o outro, crianças choravam, o homem do realejo tocava, um cego pedia esmola, gritando, encostado à porta aberta. Todos temiam a onda que se aproximava e que iria destruir tudo à sua passagem, não deixando uma folha verde sobre a terra. Todos esperavam o comboio que os levaria para longe da destruição, a procurar noutro lado uma outra forma para recomeçarem a vida, o primeiro dia do resto das suas vidas.
Das janelas da primeira carruagem o grupo olhava, imóvel, a enorme confusão do exterior. O ruído chegava abafado pelos vidros duplos, a própria visão era desfocada pela névoa que envolvia a estação, como um véu. Cada um deles transportava o seu próprio inferno pessoal, o seu caos interior, que o do exterior parecia apaziguar. 
Viajava naquela carruagem, um grupo heterogéneo, o casal que já se amara e agora se odiava, a mãe dela, senhora idosa desesperada com a passagem do tempo, inundada pela angústia de tudo o que podia ter sido e não fora, o pai dele, atormentado pelas visões da sua passagem pela guerra, dos homens que vira agonizar à sua frente, sem nada poder fazer. No banco da frente recostava-se, ensimesmada, a adolescente mergulhada nas hesitações da idade, nos dramas do crescimento. 
A mole humana do exterior aproximou-se imediatamente do comboio assim que ele estacou. Todos queriam entrar, fugir, escapar o mais depressa possível à nuvem de gafanhotos que, qual praga do Egipto, se aproximava para destruir tudo, todas as colheitas, todo o trabalho de vidas.

segunda-feira, março 21

Dia mundial da Poesia

Bebido o luar, ébrios de horizontes,
Julgamos que viver era abraçar
O rumor dos pinhais, o azul dos montes
E todos os jardins verdes do mar.

Mas solitários somos e passamos,
Não são nossos os frutos nem as flores,
O céu e o mar apagam-se exteriores
E tornam-se os fantasmas que sonhamos.

Por que jardins que nós não colheremos,
Límpidos nas auroras a nascer,
Por que o céu e o mar se não seremos
Nunca os deuses capazes de os viver.

Sophia de Mello Breyner e Andresen

domingo, março 20

Laboratório de escrita criativa - nível avançado - bloco 4

Exercício - Bloco 4

Crie três a cinco imagens que utilizará num texto ficcional ainda por escrever. A fábula pressupõe o encontro fugaz de um homem e de uma mulher numa área de serviço. Durante quatro anos, sem saberem nada um do outro, encontram-se no motel dessa área de serviço no dia 16 de cada mês impar. O esquema falha apenas cinco vezes, durante esse longo período. No final, quando a mulher do protagonista descobre que tem uma irmã (apenas do lado do pai), os amantes vêem-se subitamente numa festa familiar. A aventura parece acabar de repente, mas, um dia, a casa do casal mais feliz de Alcochete aparece desfeita em chamas (cada imagem deverá ser sucintamente descrita em não mais do que cinco a seis linhas).

Exercício:

Imagem 1

Segundos, minutos, horas, dias, meses, quatro anos passaram e eles encontravam-se naquele motel frio e impessoal daquela área de serviço, mal se conhecendo, só os seus corpos se reconheciam.  As voltas do destino provocaram um encontro a propósito de uma meia-irmã subitamente encontrada, os encontros fortuitos perderam o encanto e terminaram queimados no angustiante incêndio que destruiu aquela casa.

Imagem 2

Os encontros fugazes num motel anónimo da mesma área de serviço, sucederam-se a uma cadência mensal, poucas vezes quebrada, ao longo de quatro anos. Eram encontros quase sem palavras, era o quase anonimato que os atraía, que os excitava. A alegria da descoberta de um novo membro da família dela foi ensombrada pela constatação de que ele era o cunhado. A relação queimou-se, tal como a casa do casal desfeita por chamas súbitas.

Imagem 3

Aquele motel anónimo incendiava-se uma vez por mês quando os seus corpos se encontravam e mergulhavam numa paixão sem palavras. A felicidade da descoberta de um vínculo familiar fez a paixão crescer, reforçou os laços entre ambos. Esconder dos outros os laços que os uniam era afrodisíaco. As miradas cúmplices, os sorrisos subtis, transfiguraram-se em horror diante do quadro das chamas devoradoras que destruíram a casa.

Laboratório de escrita criativa - nível avançado - bloco 3

Exercício - Bloco 3

Continue a narrativa de Italo Calvino (Adenda temática B), tentando articular o seu texto com um dos condimentos aristotélicos expostos mais acima (seja oriundo da Poética ou da Retórica; ver Adenda temática A).
Quando tomava banho numa praia ocorreu à Srª. Isotta Barbarino um desagradável contratempo. Nadava ela ao largo, quando, parecendo-lhe altura de regressar, e já se dirigia para a margem, se apercebeu de que um facto irremediável acontecera. Perdera o fato de banho.

Exercício:

Achou que a sua imaginação lhe estava a pregar partidas. Como fora possível ficar sem fato de banho sem ter dado por isso? Mas a verdade é que estava nua. Olhou à volta, desnorteada, como se o fato de banho fosse aparecer a boiar, como por milagre. 
Deu algumas braçadas, pensando como sair airosamente daquela situação, eram dez da manhã e não podia ficar na água até a praia ficar deserta. De repente avistou a uns metros de distância um volume claro que não conseguia identificar por causa do sol, nadou vigorosamente para lá para se deparar com um saco plástico com uma garrafa de água mineral vazia. 
Começou a pensar em voltar à praia assim como estava, talvez encontrasse algumas algas que lhe permitissem tapar-se minimamente até pedir auxílio ao salva vidas. Quando ia recomeçar a nadar viu aproximar-se um bote de borracha e dentro dele alguém que não conseguia identificar porque o sol a encadeava, ia pedir ajuda mas limitou-se a fitar, boquiaberta, o tripulante do bote, o Capitão Gancho, que trazia, preso no gancho que lhe servia de mão, o seu fato de banho e lhe disse com ar severo:
- Vista-se, nestes mares só as sereias podem andar nuas. A sereia, na popa do bote, sorriu-lhe suavemente e começou a cantar.

quinta-feira, março 10

Laboratório de escrita criativa - nível avançado - bloco 2

Exercício - Bloco 2
Imagine que Atla (ver Adenda temática A) não chegou nunca a morrer, apesar de o início o romance começar justamente por narrar a sua morte. Escreva a parte do enredo que daria alegadamente conta da reacção dos personagens, evocados na Adenda temática A, ao terem conhecimento de uma tal notícia (não ultrapasse as vinte linhas).

Exercício:
Os homens juntaram-se na taberna diante do porto velho. O sol desaparecia, avermelhado, na linha do horizonte. Atla surgiu, recortada contra o poente, os caracóis com reflexos acobreados pelo sol emolduravam-lhe o rosto sorridente. De repente, quando entrou no ângulo de visão dos pescadores as gaivotas desapareceram, os olhos de todos, incrédulos, fixaram-se nela, dois ou três soergueram-se, mirando-a, incrédulos, outro avançou um passo inseguro na direcção da porta, a um canto um barbudo engoliu a bebida de um trago, o taberneiro ficou suspenso, o pano imundo com que limpava o balcão, esquecido a um palmo deste.
Atla! - gritaram todos em uníssono.
Algumas portas adiante da taberna, as mulheres envoltas nos xailes escuros movimentaram-se também, incrédulas, uma mancha negra e agoirenta. Ouviram o grito dos homens e, adivinharam mais do que sentiram nele, o júbilo que fez recrudescer o ódio que se tinha apaziguado quando a julgavam morta. Uma escarrou com violência e a saliva bateu no empedrado do chão como uma bala. Ouviu-se murmurar entre dentes: - Puta de sorte, ela não morreu. Voltavam a ter os seus homens pela metade, sabiam que eles continuariam a suspirar secretamente por ela e a inveja corroía de novo as suas almas, como um ácido mortífero.

sábado, março 5

Tentando fotografar um melro preto

Contra o sol só me via a mim no ecrã do iPhone e não me podia aproximar muito ou ele voava, mas consegui :)